POR QUE CANE CORSO
Ter ou não ter um cão é uma decisão muito pessoal e irá depender de uma série de fatores,
como por exemplo, amor e dedicação ao bicho, tempo, disposição, ambiente propício e algum
recurso financeiro. Uma vez que se tenha optado por tê-lo, a etapa seguinte é escolher a
raça do animal, e esta decisão está muito relacionada com a função que se quer para o novo
morador da casa: meramente companhia? Guarda? Ou ambos?
Essa dúvida, confesso, me atormentou há quase 15 anos quando resolvi ter um cão,
decisão que mudou e continua mudando o curso da minha vida. A história foi mais ou menos assim:
No final dos anos 90, comprei um sítio em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro. Apesar da euforia inicial com aquisição desta natureza, (dizem que quem compra um sítio tem dois momentos de alegria: quando o compra e quando o vende), a questão da segurança se tornou uma grande preocupação, principalmente pelo fato de meus filhos ainda serem crianças e adolescentes na época.
Nenhuma engenhoca tecnológica que me foi sugerida (alarmes, câmeras, cercas elétricas etc.) me convenceu o suficiente. Nada disso me faria dormir tranquilo. Foi quando um velho amigo, ao saber das novidades, e da minha justificada preocupação, me aconselhou: compre dois cachorros e seja feliz. Por dias, em meio a reuniões e viagens de trabalho, fiquei matutando a ideia até então fora de cogitação pra mim. Cachorro? Será? E as dúvidas não paravam aí, porque o meu amigo complementou o seu conselho com outro: o cão teria que ser equilibrado, ou seja, bom de companhia e excelente na guarda da casa. Que raça atenderia a requisitos tão aparentemente díspares?
Como os meus conhecimentos sobre cães eram bem limitados à época, para não dizer nenhum, a minha inquietação com o assunto só aumentava. Fiquei imaginando as inúmeras situações pelas quais quem tem casa de campo passa: churrasco com os amigos, festinhas de crianças, adolescentes circulando sorrateiramente à noite, entrando e saindo da casa. Enfim, como garantir a segurança de grupos tão diversos e ao mesmo tempo ter a certeza de que o meu cão pudesse conviver pacificamente com todos, como se parte fizesse de cada um desses grupos?
O fim da reforma da casa se aproximava, os planos para a sua inauguração já adiantados e eu ainda sem resposta. Pesquisa daqui pesquisa dali (naquela época ainda não existia Google!), contatos com pessoas que entendem do assunto (veterinários, treinadores, handlers, amigos) me faziam acumular informações. Ao fim deste processo de buscas e avaliação das raças que se encaixavam no perfil desejado, duas possibilidades se delinearam na minha mente. Parti então para a terceira fase do percurso: conhecer pessoalmente o mais forte candidato a ser o cão da minha família. E o primeiro encontro com um cane corso a gente nunca esquece.
Selecionados os canis, coloquei o pé na estrada, mas não por muito tempo, pois já no primeiro deles fui arrebatado. De cara, o criador me apresentou um cachorro preto tigrado de olhos amarelos. Impacto certeiro. O cão era belo, robusto e se impunha de forma inexplicável, pois ao mesmo tempo em que transmitia segurança rolou uma forte empatia consentida entre nós, como, convencido, ele já soubesse que eu cairia de amor pela raça. Mas para tirar a dúvida, pedi para que o criador o soltasse, pois queria comprovar o seu comportamento frente a estranhos. Não deu outra, o animal era dócil e carinhoso, exatamente como eu esperava. Resolvi apostar nas informações que eu recebera acerca da eficiência de sua função de cão de guarda e fechei negócio na hora.
Minha cria nasceu dali a trinta dias, filho do tal tigrado com uma negra aveludada, escolhido de uma ninhada bonita e parruda. Mas, naquele momento, algo não previsto aconteceu. Um pretinho de patas enormes e olhar manhoso espertamente se aconhegou no meu colo. Achei graça e mantive a minha escolha. Fui embora com o tigrado, mas com o pretinho na cabeça. No dia seguinte, entreguei os pontos. Voltei para buscar o Chicão, meu anjo da guarda, para fazer companhia ao Afonso, o tigrado, que doze anos depois continua me proporcionando noites tranquilas de sono com a sua guarda fiel.
Afonso e Chicão logo conquistaram meus garotos, brincalhões e fãs de bolas, passavam o dia a entreter a garotada. Mas um problema estava criado: minhas filhas, então adolescentes, logo protestaram pois também queriam um cane corso para chamar de seu. Voltei ao canil com a firme convicção que a aposta na raça foi acertada e, portanto, poderia sim fazer jus ao pedido de minhas meninas. Assim, veio a Betina, uma linda fêmea cinza de olhos profundamente meigos que logo se tornou a estrela da casa, companheira e protetora de suas donas e principalmente guardiã nota 10 do nosso lar.
Passados quase quinze anos, hoje tenho um plantel de cane corsos, a maioria importados da Itália, Argentina e Espanha, com o intuito de garantir uma excelente linhagem sanguínea e uma tipicidade condizentes com a verdadeira vocação da raça: ser um companheiro fiel ao seu dono, afável com convidados e crianças, mas um molosso ferino ao guardar o seu território. No entanto, apesar da importância desses critérios, não deixo e nunca deixarei de me guiar pela intuição, como quando me rendi a um pretinho ardiloso que se aboletou no meu colo. Afinal, anjos da guarda é que nos escolhem e não o contrário. E só por curiosidade, continuo muito feliz com a minha casa de campo!